domingo, outubro 30, 2005

(Silêncio)

"Espere sentado, meu bem..."

(sem palavras)

"Não adianta, meu bem, querer agora, neste momento aquilo que eu digo que você só terá quando eu quiser que você tenha, querido"

(sem palavras)

"Eu decido a sua vida; eu digo quando você me terá, e você tem que entender isso. E saiba, querido, que é muito bom estar no seu lugar."

(silêncio contestador)

"Então, meu bem, sente-se aí nesta poltrona velha e espere. Espere. Espere. E quando não aguentar mais, espere mais um pouco."

(...)

"Sim, então adeus, meu bem."

"Adeus."

Ela vai-se.

Ele espera ela sair, e espera mais um pouco. De repente levanta, pega um papel e rabisca alguma coisa que queria dizer:

"O silêncio vale mais que mil palavras."

Pega o telefone, disca um número, fala qualquer coisa com alguém e desliga. Pega sua carteira e sai, perfumado.

Quando ela volta, ele não está. Apreensiva, ela obriga-se a acreditar que ele apenas foi arejar a cabeça.

Já no dia seguinte ele volta, com o nascer do sol.

"Onde você esteve, meu bem?"

(Sem resposta)

"Você está bem? Fiquei preocupada!"

"Sim."

"Ai, que bom, então venha aqui, me abraça!"

(Ele faz o que ela pede, sem falar)

"Esperou demais, querido? 'Me desculpa', mas agora sou toda sua."

"Agradeço, vou tomar um banho."

"Sim, vá...vou te esperar na cama."

"A propósito, realmente, é bom estar no meu lugar."

"Como assim, querido?"

(Ele não ouve, já está em outros pensamentos)

Ele se desagarra dela, pega outro pedaço de papel e escreve:

"Quanto menos falo, mais ela me ama. Quanto mais a traio, mais ela sofre por mim."

domingo, outubro 23, 2005

Olhos. Algo tão complexo, tão belo, tão vivo. Parece uma maionese durinha. Olhos. Você já brincou de mexer eles olhando para o espelho? É algo dígno de ser feito. É deveras interessante ver que você está vendo o que faz você ver se movimentar estranhamente. É meio psicodélico.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Ciúmes

Ciúmes é fogo que arde doído
É ferida ardida no peito
É facada mortal no coração
É raiva doentia queimadora
É raiva daquele que amamos

Ciúmes é uma dor sofrida
É um não querer do quer
É um não pensar do pensar
É um egoísmo da caridade
É um sofrer em qualquer idade

Ciúmes é a dor do amor
Ciúmes é o se ver no outro
É o querer de si o outro
E do outro o que de si quer

Ciúmes é o fogo ardido do amor
É a semente maligna do bem
É o cancer numa flor
Ciúmes é um desgovernado trem.

terça-feira, setembro 27, 2005

Geometria Imperfeita

Trinômio do quadrado perfeito
Triângulo isóceles, lados e ângulos iguais.
Círculo arredondado, sem arestas.
Preto no branco, tudo no nada.
Perfeitamente perfeito; mas imperfeito.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Vai e Volta

Louco,
Perdidamente
Perdido em solidão
Procurando o que não se perdeu
Sem caminho, simplesmente caminhando
Na chuva ou no sol, no calor ou no frio, sem parar
Nunca parar, olhando as pegadas que deixei
Sentindo o cheiro doce do amor
sem, ao menos, conhecê-lo.
Perdidamente
Louco.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Ventania Viajante

Vagando pela estratofera de meus pensamentos
Em meio a pronomes relativos e a monotonia da existência
Namoro meu amor imaginário, viajando com os ventos
Trazendo solidão desejada à amarga sapiência
Alugada do resto da humanidade
Nos livros e textos de eternos pensadores.
Impróprios os desejos de estar em qualquer lugar
Ao mesmo tempo, conhecendo o impossível do conhecimento.

Vivendo como viajante peregrino pelo mundo
Inérte ao movimento das marés e das mudanças do tempo
Almejando o eterno e o fim do mundo
Jantando com famintos da natureza
Azeitando suas existências soltas e belas.
Ninguém por perto ou por longe do refúgio
Transitando distante daquilo que pertence
E existe nessa loucura esverdejante da mente.

quarta-feira, agosto 31, 2005

Vagando

Valores amargos fazem parte do dia-a-dia
Vazando o tempo pelas beiradas da nossa vida
Vendo passar a juventude gelada e frígida
Velozmente perdendo ar para o universo
Avolumando matéria no tempo imerso
No vazio do oceano das nossas existências
Veementemente questionando nossas certezas
Vivamente nos adocicamos na imensa
Vaga imensidão dos pensamentos humanos
Voltando inerciamente para o eterno
Valendo um beijo sabor inverno para
Valentes pessoas que saciarem suas angustias
Invocando amargos sons mudos da nossa mente
Verbalmente inexistentes nas unhas e garras
Vorazes das feras ferozes dos nossos sentimentos
Vridados em nossas ignorâncias cegas de
Vermes fédidos e nojentos do excremento.

terça-feira, agosto 23, 2005

O Cego

Vivia cego todos os dias da sua vida
Amando a realidade que não podia ver
Desejando acima de tudo existir
Numa paz utópica; seguro em seu mundo
Sentia o frio, sentia o calor
Sentia os sons, sentia o que não via
Amava a sua incapacidade
Pois sentia que via a verdade
Não com os olhos,
Mas com todos os outros sentidos
E o mundo dele não era redondo ou azul
Não era um ponto no universo
Era algo que nem eu sei dizer
Nesse seu outro mundo -
Cego desde que nasceu -
Era mais feliz do que muitos que vêem
Mas que não sentem. Mortos na sua realidade
Perdidos em suas curtas vidas visionadas.
Que contradição trago-vos, meus leitores
Quem não vê, vê. Quem vê, não vê.
Não posso fazer nada a não ser aceitar
Essa verdade incontestável.

O Pato Malvado


Numa época de terror
Eis que surge um pato
Frívolo, queimado, um horror
Viajando por entre o mato
O bicho te atinge
Pega-te pelo rabo
Cai no chão e finge
Que morreu, mas
O morto é você
Otário-pato!

Bicho estranho esse pato
Fanho e malvado
Mata por prazer - no mato
Outro dia foi o Sr. Cevado
Seu sangue jorrou pro lado
Sujou todo o meu chão!
Cevado, querido, tenha cuidado!
Eu não suporto que sujem o meu chão!
E não adianta argumentar
Não me importa se morreste ou não!
O problema está em sujar
O meu amado alçapão!

quinta-feira, agosto 18, 2005

Mentiras Verdadeiras

Se tudo fosse verdade
A verdade seria mentira
Os filósofos correriam atrás
Das verdadeiras verdades
Que seriam mentiras
E, então, nem tudo seria verdade mais
O mundo se corromperia
Tornar-nos-íamos imperfeitos
Viveríamos na dúvida
Buscando verdades
Que podem ser mentiras
Então viveríamos como
Vivemos hoje - sem saber.
Sem saber se é verdade ou mentira.
Sem saber se é verdade mentirosa
Ou se é mentira verdadeira.
Sem saber - sem saber escolher.

domingo, agosto 14, 2005

Velhos Poemas

Sem título

Segunda recomeça a rotina
Mais uma vez inicia-se denovo
Novamente; esquecer-se da sina
da linda vida de todo um povo

Um suspiro me separa
Da tristeza, do antigo
Não vejo nem raparo
O começo primitivo

Meu Deus! Foi como um sonho
Parece que acordei
Afinal, levantei?
Cara, quantos hormônios!

Sem título 2

Nas salas retangulares das escolas
Perdemos tempo com fúteis aulas
minuto a minuto, hora a hora
rapidamente envelhecemos na jaula.

Como pedras na praia
Ficamos a esperar
Milagre que caia
Do céu, sem lembrar
De agir, de fazer.

Que tédio sem noção
Que louca saudade
Quero tomar uma poção
Para desaparecer e em idade
qualquer ao seu lado viver.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Extinção

Cinza céu com verdes árvores
Rosas, roxas flores, afinados pios
de pássaros de todas as cores.
Desta janela vejo um mundo
Um mundo perdido, escondido
No meio de uma cidade
No canto obscuro dessa escola -
Ainda não somos apenas poluição
Ainda não somos apenas ignorância
Existe um lugar como esse
Que torna a vida humana
Não tão ruim, não tão má.
Porém, de tanto poluirmos
tornaremo-nos espéctros
de nós mesmos -
mataremo-nos a si mesmos
e livraremos, apesar de tudo,
o mundo da nossa crueldade.

sábado, julho 23, 2005

No Bar

Fumaça, luz opaca, vozes
Cigarros e charutos
Cervejas e vódikas
Ao fundo amigos jogam dardos
Risadas - nada de engraçado
O garçom trás mais uma cerveja
Esvaziada sem nem percebermos

Conversa sobre nada
Sobre corrupção
Sobre o mensalão
Sobre o sopetão
Sobre o capitão
Sobre um montão
De coisas que
Não significam
nada.

Naquele bar
Neste bar
Em todos os bares
Amigos se encontram
Perdem-se em nada
Riem até o amanhecer
Chegam exaustos em casa
Olham pela janela
E vêem a vida
Nascendo após a morte
Mais um dia
Mais trabalho
Para juntar mais dinheiro
Para viver
E, quando sobrar
Ir no bar.

No bar
No mar
No luar
A pensar
A viver
A morrer

No nosso tempo
Vivemos como podemos
Na solidão escurecida
De cantos perdidos
Na monotonia de cada ser
Consigo mesmo
Sem nada a perder
Jogamos para o alto
Nosso tempo,
Que já se foi, num segundo
E nossas vidas morrem
Como um corpo sem sangue
A pele embranquece,
Não tem mais vida.

Vida – perdida no bar
Bebendo sobre nada
Idéias vagas, sonhos não realizados
Futuro macabro

Inteligentes ignorantes da sabedoria
Criando conceitos errados
Caem na perdição da vida
E quando se olham no espelho
Não mais vêem homens
Mas ratos ignorantes
Que se acham importantes
Na filosofia de cada dia
E já é tarde para mudar
O passado é finito
O futuro, infinito
Não se muda o passado
Mas o presente,
Para o futuro ter esperanças
De ter-te como personagem
Nesses tempos.

Vá!Saia dessa mesa
Levante essa cabeça
Perdida e embriagada
Volte a pensar
Não deixe que eu te leve
Com os meus erros
Não seja igual a mim
Não, não ouça meus conselhos
Já fui como você

Hoje sou apenas um espírito
Vagueando pelos bares
Triste e insolente
Olhar vago
A ver outros como eu
Sujos em suas ignorâncias
Teóricos de bares
Conhecedores de todos os assuntos
Mortos na ignorância

Não me ouça!
Coma sua própria comida
E sofra seu próprio sofrimento
E, no final, junte-se a mim
Mais uma alma morta
Inútil, incapaz, imperfeita.

Beba para esquecer tudo isso!
Beba para entrar na vida
Esquecer que nada te agrada
Esquecer a solidão
Esquecer que morreu
No mesmo momento que nasceu
Não se preocupe
A noite ainda não acabou
Vai durar por toda a eternidade.

terça-feira, julho 19, 2005

Corpo e Espírito

Estou aqui mas não estou;
Meu corpo encontra-se trancado
Neste quarto, nesta casa,
Nesta cidade. Porém,
Meu espírito vagueia
Por aqui ou por ali,
Em qualquer lugar.

Nas estrelas sobre o luar,
Do oceano até o mar,
Nas florestas ou cavernas,
Em ruas ou tabernas
Diverte-se lembrando
Daquilo que nunca viveu,
Sentindo saudades
Daquilo que não conheceu.

Onde meu corpo vive -
Nesta fria prisão -
Só há sofrimento e solidão.
Onde meu espírito vive
É a felicidade e o amor
Que abundam nos campos
Em que o doce odor da flor
Desnorteia, em qualquer canto.

Corpo e espírito se completam
Numa harmonia transcendental
Formando a unidade imperfeita
Da excência do meu ser.

segunda-feira, julho 18, 2005

A Morte antes da Morte

Aquela garotinha feliz, que nasceu numa cidadezinha do interior de São Paulo, neta de italianos, com uma gangue de irmãos é, agora, essa senhora deitada nesta cama, com o olhar perdido, sem conciencia do seu próprio estado.
Compará-la com um vegetal não é nem um pouco errado. Essa senhora não tem conciencia de si mesmo e pior: não se movimenta, não come, não fala. É um vegetal a espera da morte. Morte essa que não chega. Faz mais de dois anos que se encontra nesse estado e nada dela libertar-se desse sofrimento.
Afinal, ela vive na morte. Ela é a personificação da morte. Ela não morreu, mas em todos os nossos corações e na vida prática, ela está morta.
Fisicamente, ainda vive, seu corpo ainda faz metabolismo. Mas em todos os outros sentidos, ela está morta. É isso que ganhamos com a ciência, que vive atrás do "elixir da vida"? Ganhamos uma imortabilidade como vegetais? Será que em um caso desses não é melhor deixá-la morrer, já que não há a menor esperança dela voltar a seu estado normal?
Para que fazer sofrer uma alma que já viveu uma vida inteira? Para que prolongar a vida de quem não tem mais vida?
Tantas vezes a visitei nesse estado. Tantas vezes tive a impressão de a ver em seus últimos momentos. Tantas vezes chorei a sua perda. E, agora, finalmente percebo aquilo que era óbvio e estava diante de mim o tempo todo.
Ela já havia morrido há muito tempo. Ela não existia mais psicológicamente. Apenas fisicamente, mas isso não é vida. Ela havia morrido mas vivia. Vivia sem esperanças, sem saber que vivia. Sem saber que não sabia.
Ela nada sabia. Ela vivia morta. Quando, finalmente, seu corpo não mais funcionar o suficiente para seu coração bater, vou chorar. Meu choro será de alívio, de tristeza pelas lembranças, de saudades, porém não será de dor por um ente querido: esse choro eu já chorei faz tempo.

sexta-feira, julho 15, 2005

A Morte

Em todos os cantos estrelas.
Em todas as estrelas, idéias.
Em todas as idéias, uma verdade.
Nas verdades, discordia.
Na discórdia, brigas.
Nas brigas, guerras.
Nas guerras, milhões de mortes.

Nas mortes, sangue.
No sangue, vida.
Na vida, amor.
No amor, o desejo.

Opondo-se ao desejo, medo.
No medo, vergonha.
Na vergonha, ódio.
No ódio, brigas.
Nas brigas, guerras.
Nas guerras, milhões de mortes.

Nas mortes, vingança.
Na vingança, mais morte.

Neste ciclo vicioso
tudo leva à morte.
Não à morte natural,
mas sim a morte matada.
A morte pelas mãos
dele, suas, minhas;
A morte. A morte.

Alguns se matam,
outros te matam,
muitos são mortos,
e os que vivem
vivem esparamados,
vivem solitários,
vivem na morte,
vivem num canto.

E em todos os cantos, colegas, estrelas!
E eu vejo a morte nas estrelas!
Eu vejo a morte no amor!
Eu vejo a morte em mim
E eu vejo a morte em você!
A morte! A morte...
Viva a morte!
Morte a vida!
Esse poema a morte!
Morte a esse poema!

quinta-feira, julho 14, 2005

Sei lá

Sei lá. O que quer dizer "sei lá"?
- Sei lá meu! Vai encher o saco de outro! - você me responde.
"Sei lá". Que expressão mais sem nexo. Sei lá, podia ser alguma coisa com mais sentido. Sei lá, tipo, "batata mole", sei lá. Mas por que "sei lá"? Quem inventou a expressão "sei lá"?
Perguntas sem respostas. O que eu posso dizer é que eu adoro usar o "sei lá" verbalmente. Sei lá, é quase um conectivo sabe?
Você pode usá-lo como sinônimo de "não sei", "não faço a mínima idéia" ou em outro sentido ligado a esse "não me enche". Você também pode usá-lo como se você tivesse dúvida de algo, como: "Ahh, sei lá, acho que tem jogo hoje."
Sei lá, muito estranho essa parada. E eu que ria, não por preconceito, mas sim por achar engraçado, o estilo baiano de dizer "Sei não...". Como que você afirma que sabe e depois nega? Eu achava isso engraçado. Mas depois de filosofar sobre o "sei lá", sei lá, mudei de opnião.
Porque, sei lá, pensa bem. "Sei...lá"... você sabe...lá! Como assim? Não tem sentido! Sei lá camarada, "sei lá" é desprovido de sentido.
"Sei lá" pode virar uma seita hindu: "Faça parte da nova ramificação do hinduísmo. Seja você também um Seihlá e alcance o nirvana sem entradas e com juros!".
Estudiosos da lingua (eu diria que a Ana Bruner é bem capaz disso) nos explicaria a origem desta expressão.
"Sei lá advem do latim, ceius lais, e era o nome que o povo dava aos indecisos. Mais tarde, na nossa civilização, ligou-se ao sentido de negação, do não saber. Porém, metafisicamente, 'sei lá' tem esse significado."
- Sei lá, muito filosófica essa explicação. Não tem, sei lá, um jeito mais simples de explicar?
Ahh..sei lá meu! Não enche!

domingo, junho 12, 2005

Traição

Quando olhei ao meu lado nada vi e o que era certo se tornou incerto, e minhas certezas nada mais representavam para mim. Voltei, lentamente, meu olhar para frente, afim de, com falsa esperança, reaver minhas verdades e acreditar que aquilo não passava de um sonho.

Mas a realidade sensível não é sonho; é verdadeiro, e não pode ser mudado pela imaginação, por mais que sua vontade seja esta.

O ser humano, curiosamente, é atraído pela sua curiosidade, e mesmo que essa atração o faça sofrer, ele não consegue dominá-la, e eu, como ser humano que sou, voltei novamente meu olhar para o meu lado. Olhar esse, que, exatamente neste momento, cuspiu, grunhiu; mostrou o sofrimento de meu coração – lágrimas escorreram lentamente pelo meu rosto deformado pela tristeza.

Se fosse visto por alguém detalhista, este diria que meus olhos, o espelho de minha alma, brilhavam pulsantemente, quase como nos desenhos japoneses, e ardiam tristeza, sofrimento, raiva, amor, ódio, mas não diria o que realmente minha alma estava sentindo: alívio.

Alívio, sim senhor, leitor. Se eu a amasse, tal observador estaria correto em sua afirmação. Mas, apesar da admiração ser um dos princípios básicos do filosofar, às vezes esta se engana, pois, não é que alívio era o que eu sentia? Sim! Alívio!

Meu rosto, antes desfigurado, esboçou um sorriso, e traços de uma felicidade antes nunca experimentada lentamente surgiam naquela pobre criatura de olhar inquietante.

Meu coração estourou em meu peito. Liberdade. Ele estava livre, poderia bater para qualquer outra pessoa e, o melhor de tudo, nunca mais bateria por ela! O detalhista diria que ele batia mais forte por puro capricho; diria que agora sentia vergonha de minha situação de vencido, de traído.

Querido leitor, muito bem você sabe que isto é uma falsa interpretação da realidade. Amar aquela mulher fora, um dia, bom, mas Deus sabe como estava penoso. Àquela vista, todo meu sofrimento se foi, como um rio leva as pedras ao mar. Estava livre daquele repugnante namoro. Não a devia mais satisfação. Afinal, fora traído.

Quem diria! Quem, dentre milhares, gozaria de uma traição tal como eu gozei? Quem choraria não de tristeza, mas sim de alegria, como eu chorei? Creio que poucos. E, leitor, eu estava nesse seleto grupo de felizardos!

O mundo realmente dá voltas, e cheguei realmente a esboçar uma risada. Como o mundo é belo! Pensei nos amores desconhecidos que enfrentaria, que curtiria, e alegrei-me.

Voltei uma última vez meu olhar àquele casal, cuja mulher era minha namorada, e ri quase sarcasticamente. Minha vontade era bater nas costas do garoto e agradecê-lo pela sensação que me fizeste passar!

Levantei-me e fui para casa, era apenas mais um na multidão da cidade. Mais um que guardava dentro de si um grande segredo – experiências de vida únicas e pessoais.