quinta-feira, maio 08, 2008

No frigir dos ovos...

... um homem resoluto, à noite: “Eu odeio Descartes! E-u-n-ã-o-s-e-i! Odeio aquelas perguntas ridículas!”, pula, grita, bate a cabeça na parede, bate com a mão na cabeça, se soca; “Eu odeio o método! Foda-se o cogito!”, baba, chora, esperneia, arranca os cabelos, puxa a barba. “Regras é o caralho! Essas porras do caralho!”... e assim se vai, até o fim da noite. Quando acorda, já não se lembra de mais na-da. Toma um banho, faz a barba. Penteia o cabelo, faz de seu rosto um bálsamo. Estuda a tarde toda. Sai, de noite, para dar aula. Durante esta, se contém. O ódio e a loucura o vão assomando, mas ele se coloca como homem: “Seja homem” – não deixa escapar, no entanto, pequenas ironias. No fim, treme, gagueja ao responder as últimas perguntas: “No fim das contas, Descartes, no limite, é isso mesmo, quer dizer, o método e a matemática, quer dizer, no fim das contas...”, e para si mesmo: “O fim é sempre o mais difícil”; sai cambaleante da sala de aula e mal espera virar o corredor para abrir aquele sorriso que já é o início da fruição de sua loucura... que delícia! É que durante a semana, nem se lembra, isso não o aflige: é o professor resoluto para todos. É dali a uma semana que...