domingo, junho 12, 2005

Traição

Quando olhei ao meu lado nada vi e o que era certo se tornou incerto, e minhas certezas nada mais representavam para mim. Voltei, lentamente, meu olhar para frente, afim de, com falsa esperança, reaver minhas verdades e acreditar que aquilo não passava de um sonho.

Mas a realidade sensível não é sonho; é verdadeiro, e não pode ser mudado pela imaginação, por mais que sua vontade seja esta.

O ser humano, curiosamente, é atraído pela sua curiosidade, e mesmo que essa atração o faça sofrer, ele não consegue dominá-la, e eu, como ser humano que sou, voltei novamente meu olhar para o meu lado. Olhar esse, que, exatamente neste momento, cuspiu, grunhiu; mostrou o sofrimento de meu coração – lágrimas escorreram lentamente pelo meu rosto deformado pela tristeza.

Se fosse visto por alguém detalhista, este diria que meus olhos, o espelho de minha alma, brilhavam pulsantemente, quase como nos desenhos japoneses, e ardiam tristeza, sofrimento, raiva, amor, ódio, mas não diria o que realmente minha alma estava sentindo: alívio.

Alívio, sim senhor, leitor. Se eu a amasse, tal observador estaria correto em sua afirmação. Mas, apesar da admiração ser um dos princípios básicos do filosofar, às vezes esta se engana, pois, não é que alívio era o que eu sentia? Sim! Alívio!

Meu rosto, antes desfigurado, esboçou um sorriso, e traços de uma felicidade antes nunca experimentada lentamente surgiam naquela pobre criatura de olhar inquietante.

Meu coração estourou em meu peito. Liberdade. Ele estava livre, poderia bater para qualquer outra pessoa e, o melhor de tudo, nunca mais bateria por ela! O detalhista diria que ele batia mais forte por puro capricho; diria que agora sentia vergonha de minha situação de vencido, de traído.

Querido leitor, muito bem você sabe que isto é uma falsa interpretação da realidade. Amar aquela mulher fora, um dia, bom, mas Deus sabe como estava penoso. Àquela vista, todo meu sofrimento se foi, como um rio leva as pedras ao mar. Estava livre daquele repugnante namoro. Não a devia mais satisfação. Afinal, fora traído.

Quem diria! Quem, dentre milhares, gozaria de uma traição tal como eu gozei? Quem choraria não de tristeza, mas sim de alegria, como eu chorei? Creio que poucos. E, leitor, eu estava nesse seleto grupo de felizardos!

O mundo realmente dá voltas, e cheguei realmente a esboçar uma risada. Como o mundo é belo! Pensei nos amores desconhecidos que enfrentaria, que curtiria, e alegrei-me.

Voltei uma última vez meu olhar àquele casal, cuja mulher era minha namorada, e ri quase sarcasticamente. Minha vontade era bater nas costas do garoto e agradecê-lo pela sensação que me fizeste passar!

Levantei-me e fui para casa, era apenas mais um na multidão da cidade. Mais um que guardava dentro de si um grande segredo – experiências de vida únicas e pessoais.