Paradoxalissimamente
Porque Paradoxo é aparadoxal
domingo, julho 04, 2010
Trânsito
domingo, outubro 19, 2008
Dia Mundial da Chuva
“Se em São Paulo é só festa, em Salvador, Bahia, o dia foi marcado por protestos. O Movimento dos Sem-Chuva (MSC) promoveu uma passeata contra a má distribuição das precipitações pluviométricas. A bandeira do movimento foi 'Dia mundial do DIREITO à chuva', e seus líderes marcaram uma audiência com o presidente para logo depois da chuva.
" 'Estamos confiantes com as recentes deliberações do governo e acreditamos que, se tudo se encaminhar desta forma, em 3 anos 80% das famílias brasileiras terão alguma forma de acesso a chuva pelo menos 3 vezes ao ano, patamar superior ao de muitos países desenvolvidos', argumentou Luiz Henrique Fernandez, líder do movimento desde 1998.
“Fora do Brasil também houve muitas festas e polêmicas. Em Varsóvia, capital da Polônia, fogos de artíficio que se assemelham a chuva colorida foram o auge de uma festa altamente pirotécnica que será ainda lembrada com muito carinho pelos seus habitantes. Já em Nova Orleans o dia, ao invés do que se poderia imaginar, se passou sem grandes protestos; ao contrário, os revoltados deram trégua às autoridades locais que participaram de solenidades em memória aos trágicos acidentes naturais que vêm assolando a cidade.
“Em Moscou 8 pessoas ficaram feridas quando o prédio da ONU foi atacado com coquetéis molotov e bombas caseiras na passeata ‘Pelo dia mundial da neve’, idéia audaciosa que nasceu em 1999, quando foi criado o Feriado Municipal do Boneco de Neve. Neste havia série de competições e gincanas ligadas a esta arte. Foi só em 2004 que a festividade pública se universalizou e tornou-se Feriado Municipal da Neve, em que as competições e gincanas foram extendidas a toda e qualquer forma de expressão artística por meio da neve.
“Teremos agora um rápido intervalo e em poucos instantes voltaremos com mais notícias sobre este dia: Paris e o quadro de 500 m² de uma nuvem, o teto que chove sem molhar numa casa em Lippsala, Suécia, e o obscuro padroeiro cego de Gonzaga, Minas Gerais, que afirma que a chuva é a fala de Deus em braile.”
sábado, outubro 18, 2008
Incomodo
– Uma moeda a mais é um dia a menos.
Seus sujos olhos, então, voltaram a mirar o infinito inexistente e eu com meus passos falsamente seguros segui naquela trilha que nem sei pra onde levava. Normalmente sentiria vontade de cantarolar uma música, provavelmente do Chico, às vezes do Jim; mas não dessa vez. Ah, é que não sentia vontade de nada, só queria entrar na minha casa, trancar bem a porta e deitar na cama seguro de que aquilo – aquilo – não tinha passado de um sonho; é que tantas vezes isso me aconteceu, como daquela que atropelei um cachorro...
Naquele dia desci sem pressa o elevador, com um friozinho na barriga; é que estava indo para uma prova! Entrei no carro como sempre entrava em qualquer outro dia, e saí da garagem como se fosse um dia qualquer. Acenei ao porteiro, que sorriu e acenou para mim. Ah! quanta harmonia naquela orquestra de pedais e direção.
O farol fechou – parei. O farol abriu – acelerei.
Aquela rua estreita irritava-me profundamente; carros estacionados dos dois lados e só um carro podendo passar por vez naquela trilha asfaltada – melhor acelerar e passar rápido – e carros vindo na direção contrária.
Foi já lá na frente, depois daquele cruzamento traiçoeiro que ninguém respeita a minha preferência, que acelerei um pouco mais; era uma pequena subida, subidas sempre exigem autoridade.
O automóvel, já aos seus 60 km/h, naquela rua estreita com carros parados dos dois lados e aproximando. Aproximando?
Um animal todo branco, todo ingênuo, andando despreocupadamente à minha frente; por um momento pensei: Acelero? Breco? Buzino? E então já era tarde demais; ouvi indiferente os seus gemidos – foram dois – e aguentei impassível o duplo tranco como se estivesse retirando os cisos. Meu coração bateu forte, fiquei sem reação. Por inércia, o carro não parou, nem eu parei. Por que pararia? Já no próximo farol sentia apenas a sensação de ser uma daquelas minhas fantasias e me censurava por ter me desconcentrado da minha prova...
E a essa altura já estava há alguns quarteirões do insolente mendigo, mas ainda inquieto. Meu deus!, como odeio esses seres, precisam sempre nos incomodar com essas lembranças que suscitam tão ardidamente no espírito de homens sensíveis, os quais, seres humanos que são, estão tão aptos a cometerem erros como todos os outros...
sábado, agosto 02, 2008
Brincando de Polvero Pinocchio
O jogo é bem simples: pega-se um autor ou um personagem célebre e se reconta a história usando apenas a inicial de seu nome. No caso, reconto o primeiro capítulo de Um Copo de Cólera utilizando apenas a letra c de "copo" e de "cólera".
A Chegada
E quando cheguei à tarde na minha casa lá no 27, ela já me aguardava andando pelo gramado, veio me abrir o portão pra que eu entrasse com o carro, e logo que saí da garagem subimos juntos a escada pro terraço, e assim que entramos nele abri as cortinas do centro e nos sentamos nas cadeiras de vime, ficando com nossos olhos voltados pro alto do lado oposto, lá onde o sol ia se pondo, e estávamos os dois em silêncio quando ela me perguntou “que que você tem?”, mas eu, muito disperso, continuei distante e quieto, o pensamento solto na vermelhidão lá do poente, e só foi mesmo pela insistência da pergunta que respondi “você já jantou?” e como ela dissesse “mais tarde” eu então me levantei e fui sem pressa pra cozinha (ela veio atrás), tirei um tomate da geladeira, fui até a pia e passei uma água nele, depois fui pegar o saleiro do armário me sentando em seguida ali na mesa (ela do outro lado acompanhava cada movimento que eu fazia, embora eu displicente fingisse que não percebia), e foi sempre na mira dos olhos dela que eu comecei a comer o tomate, salgando pouco a pouco o que ia me restando na mão, fazendo um empenho simulado na mordida pra mostrar meus dentes fortes como os dentes de um cavalo, sabendo que seus olhos não desgrudavam da minha boca, e sabendo que por baixo do seu silêncio ela se contorcia de impaciência, e sabendo acima de tudo que mais eu lhe apetecia quanto mais indiferente eu lhe parecesse, eu só sei que quando acabei de comer o tomate eu a deixei ali na cozinha e fui pegar o rádio que estava na estante lá da sala, e sem voltar pra cozinha a gente se encontrou de novo no corredor, e sem dizer uma palavra entramos quase juntos na penumbra do quarto.” Nassar, Raduan. Um Copo de Cólera. Companhia das Letras. 1º capítulo, pág. 9.
Chegada
Casa cheguei, caminhavas, ‘comoda-se carro, cume-da-casa corremos, cortinas cerradas, cauda-de-céu-de-centro, cadeiras confortáveis, calor crepuscular colorido, calma calada; coligar, comigo calado, colorido, comprimido capenguei conversa, caminhei calma e cauteladamente, cozinha cheguei, cetrino cepácio comi centrípeto cenante, circundado, cingido, como celso cavalo, celestialmente cocado, cônscio cínico, cartesianamente cínico coajante, como ciclópeo cercado, cobiçado climaxticamente, centrifugamente cantina corri, corredor cassado, casa corctada, calados, cama caímos coativamente.
Eco, Umberto. Povero Pinocchio. Comix.
Nassar, Raduan. Um Copo de Cólera. Companhia das Letras.
sexta-feira, julho 25, 2008
Sulca-te o chão
É esta a solidão que desejas e te agradas? Essa solidão que se diz completa, que é desejo? Que completude é essa de anseio?
Ora corres ao MSN, ora ao orkut. O tédio – seria o tédio? – logo te levas de volta ao livro. Mas antes passas e vês – tentas fazê-los estarem sem estarem – aqueles que inconscientemente pensas. Mas é ao fazê-los estarem que sentes aquela aversão, aquilo que não te completaram tomando – como uma sombra – toda a sensação dos românticos momentos de volúpia e prazer, enxotando-os cruelmente. A situação passa-se a desesperadora, angustiante e, covarde que és, foges para o livro. Ali encontrastes combustível para a leitura. Como que freneticamente, devoras como um animal aquele conteúdo prosaico-imaginativo. Mas o devorar de tal material inextenso atiça-te como um raio demoníaco ao desejo pulsante e em brasas da presença deles. E retorna ao computador, para apenas confirmar a ausência deles. A situação se repete – é um ciclo vicioso. E quando, eventualmente, um aparece, agarras-te como um tamanduá vil a vitalidade – a esperança de vitalidade, de completude – daquela conversa privada-impessoal. E sentes, inexoravel e inevitavelmente a cruel sensação de perda de tempo. Pior; certamente porque nadas tens a falar e te constranges a situação e queres – precisas, urges – falar – algo, algo, precisa sair de ti, ser expelido, ergugitado, como um vômito fedorento – falas-te irracionalmente e te acovardas. Crias ódio. Queres estar solo novamente. Mas uma vez agarrado a tua vítima, a vítima está agarrada a ti. Não pela sua vontade; tu a ela, como uma pedra imóvel és quem estás preso, inerte. E inutilmente zangas-te e te acovardas – falas bugalhos. Ofendes-te. Perdes-te, no momento mesmo que diz achar-te. E, então, alienas-te em teu gozo que é o teu soma – e dorme-te para te acordar insabível que te sabes, acreditando piamente na potencialidade prazeirosa de tua solidão noturna, quando deverias, sim, estar a lutar febril e intelectualmente para estar tola e infantilmente deitado em uma cama de lençóis brancos e suaves cobertas, roçando-te ao corpo Dela, olhos fechados, mente branca, budista. Aí sim repousar-te-ás em solidão e serenidade.
segunda-feira, junho 02, 2008
Pós-barbárie
Mas o significado desta frase transcende o sentido literal; é um paradoxo sem as marcas deste – talvez o primeiro metaparadoxo que se conscientiza como tal. O paradoxo é a marca da sociedade industrial. Bem disso sabe Adorno, o qual, no mesmo texto já citado, usa e abusa destes[2]. Esta frase “auto-escola, também é cultura” é um paradoxo, agora está claro, porque formalmente comete um erro grotesco de português ao transpor sujeito e predicado por uma vírgula. Ao mesmo tempo, em seu conteúdo, remete à idéia de cultura, conhecimento. É como se o sujeito que proferiu tal frase dos sinais do tempo fosse o portador – também o portador, ou seja, quer passar a idéia de que apesar de não parecer, ele o é, sim, realmente – de tal conhecimento. Conhecimento, este, que no aspecto formal não é portado, como a própria frase o demonstra. É, assim, um metaparadoxo a medida em que é e não é um paradoxo: é efetivamente, como vimos, enquanto forma e conteúdo; e apenas um erro enquanto forma e não mais que uma idéia enquanto conteúdo apenas. É um paradoxo do paradoxo; é o paradoxo que se conscientiza como tal. Ou antes fosse. Nada há aqui de consciente; o erro não ocorreu por vontade do sujeito. O que antes parecia emancipatório agora suga as últimas forças vitais. É paradoxal que a libertação dos paradoxos, a conscientização de si, seja aprisionante. É que liberta formalmente, aprisiona intrinssecamente. A ainda desconhecida arma contra o sistema, o espelhamento de seu maior poder, já foi destruída antes mesmo de existir. O que podia ser resistência, a negação consciente dentro da afirmação, não se deu. É o pré-vivo que morreu. Corpo humano que perdeu. É, para parafrasear ainda Adorno, o momento posterior ao da vitória das máquinas sobre o humano, da alienação sobre o consciente, da barbárie sobre a civilização.
[1] Nada confirma mais isso do que tal essência ser uma máquina
[2] Alguns exemplos: “A novidade do estágio da cultura de massa em face do liberalismo tardio está na exclusão do novo” (pág. 28); “Seu [indústria cultural] triunfo é duplo: aquilo que expele para fora de si como verdade pode reproduzir-se a seu bel-prazer em si como mentira” (pág. 30); “(...) mas o gênero de mercadoria de arte, que vivia do fato de ser vendida, e de, entretanto, ser invendável, torna-se – hipocritamente – o absolutamente invendável quando o lucro não é mais só a sua intensão, mas o seu princípio exclusivo.” (pág. 65). Todas as citações tiradas de: Adorno, Theodor W.. Indústria cultural e sociedade. In: O Iluminismo como mistificação das massas. Editora Paz e Terra, Coleção Cultura. Traduzido por Julia Elisaveth Levy.
quinta-feira, maio 08, 2008
No frigir dos ovos...
quinta-feira, fevereiro 28, 2008
A revolução na educação brasileira
Sem muitas pretensões, os cursinhos já dão aulas via internet[i]. Algum dia, porém, se terá um estalido revolucionário. A coisa se dará do seguinte modo. Um cursinho Anglo ou Objetivo do Acre ou do Piauí despedirá por um motivo x um professor de física. As dificuldades de encontrar um profissional ao nível de excelência da empresa incentivará a famigerada imaginação brasileira (para momentos de dificuldade); por que não “importar” as aulas de um professor de São Paulo? Não seria difícil, já que as aulas já são todas esquematizadas. O professor apenas representa. Pode-se diminuir o número de professores, diminuindo os gastos! Afinal, é só gravar as aulas e enviar via internet. Por que tantos professores se todos fazem a mesma coisa? Um apenas basta. A idéia, diante de tanto otimismo, será testada.
Essa se mostrará satisfatória estatísticamente; os alunos, em média, melhorarão nos simulados e o custo da aula ficará mais baixo! Por isso, começará a ser adotada em relação a outras matérias. Biologia, química, matemática, gramática... o cursinho se tornará pioneiro nas aulas gravadas. Sua produtividade aumentará significativamente. Logo a mídia voltará seus olhos de falcão para o modelo de ensino lucrativo e eficiente. Outros cursinhos, então, adotarão o método. As escolas particulares derivadas de cursinhos, uma a uma, também.
Tal rebuliço, como era de se esperar, atingirá mais dia menos dia o ensino púbico. O ministro da educação aparecerá nas primeiras páginas dos jornais assinando o documento que aprovará a reforma na educação pública brasileira; um passo rumo ao futuro! Nada de professores na sala de aula! Enfim uma finalidade para os computadores da rede pública! As aulas, de então por diante, serão virtuais, terceirizadas dos cursinhos. Pelo projeto, o investimento público em educação cairá significativamente, apesar do investimento inicial. Parcerias público-privadas serão travadas entre empresas fornecedoras de computadores, telões, etc e o governo público. Desta maneira, todos terão acesso a uma educação de qualidade, comum a todos. Finalmente poderá se medir o mérito pessoal – todos assistirão a mesma aula, todos partirão do mesmo patamar. E melhor ainda. Em caso de falta, o aluno pode assistir à aula em casa! Le crème de le crème da educação estará disponível a todos!
Em meio século, a nação brasileira se orgulhará de exportar para o mundo o vitorioso método de educação 100% tupiniquim.
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É claro que em toda mudança sempre alguém sai perdendo: e os professores, que não dão mais aulas? E as dúvidas dos alunos? Muito, muito simples. Os professores (apesar das greves – que não servirão para mais nada – e das passeatas), um a um, vão se sujeitar a ficarem de plantão para tirar dúvidas ou de bedéis nas salas de aula. Se formará um grupo de professores de elite – aqueles que gravam as aulas – e outro de professores plantonistas/bedéis. Ambos os grupos, afinal, numa utopia neoliberal, podem até ser tercerizados.
[i] Ver site http://www.cursoanglo.com.br/webstander/ e ir em TV WEB
sexta-feira, dezembro 21, 2007
Inconveniente
Carros passavam rasgando a realidade – intransigentes –, pessoas apressavam o passo ao avistá-lo – aquele-ser-inconveniente, quase-bicho-pouco-homem – e os semáforos, os letreiros, os faróis, as janelas... Era tanto brilho barulhento, tanto movimento naquela noite – escura noite – e ele sombrio, quieto, sozinho.
Tão rápido que mal pude perceber e por um motivo que nem-sei-bem-qual-foi, senti pena. Estava incomodado, mas não deveria. Sem perceber, joguei uma moeda que bobamente – dissimulada até – caiu em seu colo. Suas unhas sujas tocaram a moeda. Senti um calafrio paralisante nesse momento; eram seus olhos sujos nos meus olhos e a moeda que voltava inesperadamente às minhas mãos. Admito: nada compreendi.
Senti ódio, terror; indecisão. Continuava autoritariamente o caminho inexistente ou enfrentava aquela pergunta dolorosa?
Antes que eu pudesse dizer palavra, foi ele quem disse:
- Enfia no cu essa moeda de merda, meu senhor.
Fiquei sem reação. Sua voz rouca, de pouco uso, e seu ríspido tom nem um pouco irônico foram denúncias da ofensa que sentira. Abaixei a cabeça – por que abaixara a cabeça? – Levantei-a. Quem se sentia ofendido dessa vez era eu. Oras, só tentara ajudá-lo!
- Uma moeda a mais é um dia a menos.
Seus sujos olhos, então, voltaram a mirar o infinito inexistente... (continua)
terça-feira, dezembro 18, 2007
A era do ketchup
Em uma dessas vadiações, Wilson foi atraído para uma casa suntuosa e com cheiro de ketchup. Mal sabia o homem cujo nome era o mesmo da marca de bolinhas de tênis que ao passar por ela, um grupo de músculos, cochichavam: “Aqui é o melhor puteiro da cidade. Não há no mundo quadril igual ao da Delícia-Vermelha” – e todos concordavam maquinalmente. Era uma luxuosa casinha no estilo Neocolonial americano: Imensas colunas gregas que distorciam de todo um resto barroco clássico, com luminosos multicoloridos. A casa era o sonho de consumo da era do ketchup. Era também uma embalagem bonita para Delícia-Vermelha. A bem da verdade, Delícia-Vermelha era um pote de ketchup: A mesma forma fina até o quadril que se alongava; o mesmo vermelho em seus lábios e em seu vestido e em seus saltos que insulta a uma paixão-adoração; o mesmo sabor viciante; o mesmo prazo de validade. Era o sonho de consumo da modernidade. Nesta noite especialmente, como uma promoção especial, estava em um de seus melhores dias. Era um imenso ketchup delicioso que atraía infinitamente com sua dança do ventre. Ela dançava como uma deusa. Era algo tão chamativo, tão atrativo que nem o mais beato dos beatos resistiria. Até quem já estivesse satisfeito com a sua esposa não estaria apto a fugir das presas do seu feitiço moderno; a propaganda. Delícia-Vermelha seria consumida mais banalmente do que um ketchup, mais simplesmente que um doce comprado na promoção “leve-um-prato-e-ganhe-um-doce”. Poucos perceberam o fato de Delícia-Vermelha não ser apenas uma mulher-produto. Eram várias: várias que seriam sempre substituídas pela indústria pornográfica. Eram a mesma e não eram. Delícia-Vermelha era apenas um símbolo, uma forma, (um ícone do passado, talvez): hoje era reproduzida às milhares. A sociedade moldou a forma dela e agora a produzia em larga escala para que pessoas como Wilson e nossos educados leitores pudessem consumi-la.
E foi isso que ele fez, imitando toda a sociedade. Consumiu-a, em um só instante, em busca da felicidade que não encontraria. E depois nunca mais foi visto: foi engolido e consumido por toda aquela vermelhidão deliciosa e moderna: Wilson finalmente integrou-se fisicamente ao ketchup da modernidade.