sábado, outubro 18, 2008

Incomodo

(continuação de Inconveniente, logo ali em baixo)

– Uma moeda a mais é um dia a menos.

Seus sujos olhos, então, voltaram a mirar o infinito inexistente e eu com meus passos falsamente seguros segui naquela trilha que nem sei pra onde levava. Normalmente sentiria vontade de cantarolar uma música, provavelmente do Chico, às vezes do Jim; mas não dessa vez. Ah, é que não sentia vontade de nada, só queria entrar na minha casa, trancar bem a porta e deitar na cama seguro de que aquilo – aquilo – não tinha passado de um sonho; é que tantas vezes isso me aconteceu, como daquela que atropelei um cachorro...


Naquele dia desci sem pressa o elevador, com um friozinho na barriga; é que estava indo para uma prova! Entrei no carro como sempre entrava em qualquer outro dia, e saí da garagem como se fosse um dia qualquer. Acenei ao porteiro, que sorriu e acenou para mim. Ah! quanta harmonia naquela orquestra de pedais e direção.

O farol fechou – parei. O farol abriu – acelerei.

Aquela rua estreita irritava-me profundamente; carros estacionados dos dois lados e só um carro podendo passar por vez naquela trilha asfaltada – melhor acelerar e passar rápido – e carros vindo na direção contrária.

Foi já lá na frente, depois daquele cruzamento traiçoeiro que ninguém respeita a
minha preferência, que acelerei um pouco mais; era uma pequena subida, subidas sempre exigem autoridade.

O automóvel, já aos seus 60 km/h, naquela rua estreita com carros parados dos dois lados e aproximando. Aproximando?

Um animal todo branco, todo ingênuo, andando despreocupadamente à minha frente; por um momento pensei: Acelero? Breco? Buzino? E então já era tarde demais; ouvi indiferente os seus gemidos – foram dois – e aguentei impassível o duplo tranco como se estivesse retirando os cisos. Meu coração bateu forte, fiquei sem reação. Por inércia, o carro não parou, nem eu parei. Por que pararia? Já no próximo farol sentia apenas a sensação de ser uma daquelas minhas fantasias e me censurava por ter me desconcentrado da minha prova...


E a essa altura já estava há alguns quarteirões do insolente mendigo, mas ainda inquieto. Meu deus!, como odeio esses seres, precisam sempre nos incomodar com essas lembranças que suscitam tão ardidamente no espírito de homens sensíveis, os quais, seres humanos que são, estão tão aptos a cometerem erros como todos os outros...

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