terça-feira, dezembro 18, 2007

A era do ketchup

A modernidade é ketchup. Bem disso sabia Wilson, um ex-dogueiro de uma Kombi em frente a um supermercado de madame. Fora despedido ao ser pego comendo ketchup escondido: Sim caro consumidor desta história, ele era mais um dos milhares de viciados em ketchup. A partir de então, foi visto em muitas madrugadas em imensos supermercados 24 horas a comprar o seu ketchup em meio a jovens comprando bebidas e cigarros. Freqüentar supermercados, como o bom consumidor deve saber, não é um hábito saudável, principalmente àqueles que devem se conter por falta de poder aquisitivo. Wilson, o mais humano dos humanos, começou a entrar em transe em meio a tantos desejos de consumo reprimidos: comidas e mais comidas, produtos de limpeza, temperos, vinhos, sandálias, e até carros de controle remoto! Milhares de produtos que faziam do ketchup insuficiente. Mais grave ainda, nobre consumidor, era o fato de o seu dinheiro haver acabado: nem ketchup poderia mais comprar. Foi visto, então, em muitas madrugadas, a vadiar como um mendigo, de bar em bar pedindo porções gratuitas do imperialista vermelho.

Em uma dessas vadiações, Wilson foi atraído para uma casa suntuosa e com cheiro de ketchup. Mal sabia o homem cujo nome era o mesmo da marca de bolinhas de tênis que ao passar por ela, um grupo de músculos, cochichavam: “Aqui é o melhor puteiro da cidade. Não há no mundo quadril igual ao da Delícia-Vermelha” – e todos concordavam maquinalmente. Era uma luxuosa casinha no estilo Neocolonial americano: Imensas colunas gregas que distorciam de todo um resto barroco clássico, com luminosos multicoloridos. A casa era o sonho de consumo da era do ketchup. Era também uma embalagem bonita para Delícia-Vermelha. A bem da verdade, Delícia-Vermelha era um pote de ketchup: A mesma forma fina até o quadril que se alongava; o mesmo vermelho em seus lábios e em seu vestido e em seus saltos que insulta a uma paixão-adoração; o mesmo sabor viciante; o mesmo prazo de validade. Era o sonho de consumo da modernidade. Nesta noite especialmente, como uma promoção especial, estava em um de seus melhores dias. Era um imenso ketchup delicioso que atraía infinitamente com sua dança do ventre. Ela dançava como uma deusa. Era algo tão chamativo, tão atrativo que nem o mais beato dos beatos resistiria. Até quem já estivesse satisfeito com a sua esposa não estaria apto a fugir das presas do seu feitiço moderno; a propaganda. Delícia-Vermelha seria consumida mais banalmente do que um ketchup, mais simplesmente que um doce comprado na promoção “leve-um-prato-e-ganhe-um-doce”. Poucos perceberam o fato de Delícia-Vermelha não ser apenas uma mulher-produto. Eram várias: várias que seriam sempre substituídas pela indústria pornográfica. Eram a mesma e não eram. Delícia-Vermelha era apenas um símbolo, uma forma, (um ícone do passado, talvez): hoje era reproduzida às milhares. A sociedade moldou a forma dela e agora a produzia em larga escala para que pessoas como Wilson e nossos educados leitores pudessem consumi-la.

E foi isso que ele fez, imitando toda a sociedade. Consumiu-a, em um só instante, em busca da felicidade que não encontraria. E depois nunca mais foi visto: foi engolido e consumido por toda aquela vermelhidão deliciosa e moderna: Wilson finalmente integrou-se fisicamente ao ketchup da modernidade.

Um comentário:

Lipão disse...

Salve, Philipson! Belo blog. Desfrute a Delícia-Vermelha.