No meio do caminho havia um mendigo. Havia um mendigo no meio do caminho. Imóvel e cinzento como uma pedra, as pessoas naturalmente desviavam-se dele como se desvia de uma poça. Mas essa tinha olhos escuros como o breu, que fixavam o distante, o nada. Estavam secamente molhados, talvez pela sujeira, talvez não. Ele cuspiu e eu pude ver; poucos dentes em contraste ao turbilhão de edifícios que o cercava.
Carros passavam rasgando a realidade – intransigentes –, pessoas apressavam o passo ao avistá-lo – aquele-ser-inconveniente, quase-bicho-pouco-homem – e os semáforos, os letreiros, os faróis, as janelas... Era tanto brilho barulhento, tanto movimento naquela noite – escura noite – e ele sombrio, quieto, sozinho.
Tão rápido que mal pude perceber e por um motivo que nem-sei-bem-qual-foi, senti pena. Estava incomodado, mas não deveria. Sem perceber, joguei uma moeda que bobamente – dissimulada até – caiu em seu colo. Suas unhas sujas tocaram a moeda. Senti um calafrio paralisante nesse momento; eram seus olhos sujos nos meus olhos e a moeda que voltava inesperadamente às minhas mãos. Admito: nada compreendi.
Senti ódio, terror; indecisão. Continuava autoritariamente o caminho inexistente ou enfrentava aquela pergunta dolorosa?
Antes que eu pudesse dizer palavra, foi ele quem disse:
- Enfia no cu essa moeda de merda, meu senhor.
Fiquei sem reação. Sua voz rouca, de pouco uso, e seu ríspido tom nem um pouco irônico foram denúncias da ofensa que sentira. Abaixei a cabeça – por que abaixara a cabeça? – Levantei-a. Quem se sentia ofendido dessa vez era eu. Oras, só tentara ajudá-lo!
Em meio à minha raiva e transtorno, ele continuou:
- Uma moeda a mais é um dia a menos.
Seus sujos olhos, então, voltaram a mirar o infinito inexistente... (continua)